Custos da Não
Qualidade
No
artigo “A competitividade da empresa” foi muito citada a ineficiência como a
causa da perda da competitividade. Mas o que ela significa e como ocorre?
Eficiência é a palavra mais citada em
qualquer atividade humana, desde eficiência no desempenho de
sistemas/equipamentos até a eficiência na execução da produção.
É
o objetivo constante a ser perseguido: aumentar a eficiência, que sempre visa
diminuir os custos por unidade de produto, ou obter maior rendimento pelo custo
atual.
A ineficiência ocorre quando o que foi
previsto não está sendo executado nas condições estabelecidas, que normalmente
resulta em retrabalho, o que representa despesas não previstas. São os denominados
Custos da Não Qualidade, que
diminuem a rentabilidade do projeto.
Diz-se
que, quando a rentabilidade foi alcançada de acordo com a previsão, o processo
foi eficiente. Consequentemente, quando os resultados ficaram aquém dos previstos diz-se que ocorreu
a ineficiência ou Não Qualidade em
alguma parte do processo. Como o cálculo da rentabilidade envolve a receita e a despesa, a Não Qualidade pode ser creditada tanto a uma quanto à
outra.
Normalmente
os olhos voltam-se para o lado da despesa e pouco se fala sobre problema na
receita, apesar de ele ser tão impactante na rentabilidade quanto a
ineficiência da produção. E por isso merece uma reflexão.
Quando
um contrato não prevê a atualização adequada dos valores negociados, quando a
cláusula de atualização monetária foi atrelada a moedas com variações abruptas,
ou ainda, a dilatação dos prazos de entrega devido a fatores alheios à
produção, a rentabilidade prevista para o projeto pode cair, da mesma forma que
a ineficiência nas atividades de execução. Isto sem falar em fluxo de caixa mal
planejado, que pode representar despesas adicionais com a captação de dinheiro
no mercado. Porém, é preciso salientar que o fluxo de caixa pode ser afetado
pela ineficiência na produção, com atraso na entrega planejada dos
produtos/serviços e que resulta no atraso do faturamento.
Custos
da Ineficiência, ou Custos da Não Qualidade, referem-se a gastos irrecuperáveis
e não previstos na época da assinatura do contrato com o cliente.
Vamos
analisar o que entra nesta conta.
Inicialmente,
vamos assumir que se a rentabilidade prevista no contrato for alcançada, não se
caracterizará a ineficiência, mesmo que em algumas atividades ela tenha
ocorrido, mas que foi compensada em outras. Isto porque o resultado desejado
foi alcançado – satisfação do(s) acionista(s) com o dinheiro que sobrou.
Obviamente,
a Não Qualidade nunca é bem vista em nenhuma atividade ou etapa do
processo, porque não dá para contar antecipadamente com a compensação em
outras. Eventualmente a compensação poderá não vir e a rentabilidade do
investimento não será alcançada, o que trará insatisfação ao(s) acionista(s). E
o acionista não satisfeito tem o hábito de compartilhar democraticamente esta
sua insatisfação com todos os seus contratados.
A
eficiência em uma empresa que busca a sustentabilidade está em realizar todas as atividades de acordo com a
previsão para cada uma delas, dentro da margem de tolerância, para cima ou para
baixo. E isto demanda controles eficazes e ágeis, assim como a agilidade na solução dos
eventuais imprevistos.
E
o ponto de partida de qualquer sistema de controle da produção e dos custos, é
caracterizar os principais grupos de atividades ou etapas que compõem um
projeto. Isto permitirá identificar a tempo, e com maior precisão, onde iniciou
o desvio em relação à previsão, e, portanto, onde a ineficiência está
ocorrendo, e assim, definir as ações para minimizá-la antes que ela atinja os
limites da tolerância.
Poderá
ainda ser feita a divisão destes grupos em vários subgrupos, até o nível de
detalhamento que se deseja controlar, formando assim uma pirâmide. Porém, não
se deve esquecer que os Custos do
Controle, apesar de necessários, também fazem parte dos custos
improdutivos da empresa. Estes custos, apesar de serem previsíveis, aumentam os
custos dos produtos e podem diminuir a competitividade da empresa no mercado.
Nestes casos, para não perder a competitividade, diminui-se a margem de lucro,
o que consequentemente diminui a rentabilidade possível já na origem. Foi daí que nasceu o conceito de Qualidade
Total criado pelos japoneses. Controle e decisão na
origem pelos próprios executores das atividades de produção.
Como
todo controle se resume na relação “Previsto/Realizado”, ela se aplica a todos
os grupos e subgrupos citados.
Temos,
então, as seguintes possibilidades para a concretização da Não Qualidade.
a)
Previsto corretamente / Realizado incorretamente
Realização
incorreta em qualidade ou prazo. Esta situação pode ter duas causas principais:
falta de competência na execução ou
então a ocorrência de eventos imponderáveis, ou não previsíveis, de todos os
tipos, desde fornecedores com problemas até os causados por fenômenos naturais
(força maior).
Na
primeira causa pode-se questionar se faltou investimento na formação e/ou
retenção das competências na empresa. Pode-se questionar também a qualidade dos
treinamentos e a qualidade da seleção dos profissionais. Nesta última, a
política salarial pode influir significativamente, não atraindo profissionais
mais preparados.
“Saber
fazer” é a base de qualquer atividade. Sem isto, a ineficiência é inevitável.
b) Previsto
incorretamente.
É
a situação que impossibilita alcançar o resultado necessário em um subgrupo já
na origem, o que refletirá no resultado do grupo imediatamente superior, a não
ser que este Custo da Não Qualidade seja compensado por outro subgrupo,
também integrante deste grupo superior.
A
compensação é uma condição similar à “Não Qualidade”, porque também não
consta da previsão inicial. Porém é sempre bem-vinda, porque salva a imagem dos
administradores envolvidos, quando estes são cobrados somente pelo resultado
final do seu grupo.
Esta
combinação, ineficiência e compensação no mesmo grupo, permite mascarar as duas
ocorrências, o que torna a empresa vulnerável à repetição de previsões
incorretas.
A infraestrutura inadequada para executar
o produto/serviço contratado, assim como o sub-dimensionamento
da mão de obra, também fazem parte da previsão incorreta e podem ser as
causas da realização incorreta citada anteriormente.
c) Não
previsto.
Atividade
não prevista por esquecimento ou desconhecimento. É a forma mais
grave e absoluta da previsão incorreta. Caracteriza-se pela falta de
equalização das expectativas entre o cliente e o fornecedor, entre o comprador
e o vendedor. Escancara a incapacidade
na definição do produto/serviço encomendado pelo cliente e onde não
cabe a justificativa de que a solicitação dele não estava suficientemente clara
nos requisitos técnicos, funcionais, operacionais, de desempenho, etc.
É
comum ouvir: “Culpa do cliente que não especificou direito!” O difícil é
fazer o cliente assumir esta deficiência. Costuma dizer que o contratado é o
dono da solução e ele que assuma o "erro de previsão".
Vale
salientar que a comunicação
faz parte das competências profissionais. "Saber perguntar" é
uma arte. Por isso ela é vital na busca das informações necessárias para
entender, quantificar e custear todos os serviços e produtos envolvidos
na solicitação do cliente. Contrato bem detalhado evita o futuro “não era
bem isto que eu queria” da parte do cliente.
Constata-se
então que das três possibilidades da ineficiência, as duas últimas referem-se
somente ao trabalho intelectual prévio, e que, por também serem as responsáveis
pelas despesas adicionais, devem merecer prioridade nos investimentos para
fazer a previsão correta.
Esta
constatação não é nenhuma novidade e me faz lembrar o que meu pai dizia quando
eu ainda era um garoto e tentava construir máquinas possantes com rodas de
rolamentos velhos, e raramente bem-sucedido: “Meu filho, primeiro desenhe o
que você vai fabricar, ponha no papel todas as peças. Depois meça pelo menos
três vezes antes de começar a cortar o material. E use os instrumentos de
medição e ferramentas certas para a precisão que o teu carrão exige”.
E
para ilustrar esta última frase, contou-me meia dúzia de vezes, que certa vez
pediu a um de seus colaboradores
que fosse ao cliente medir a largura do vão que iriam cobrir com a peça a ser
fabricada. E ele voltou dizendo que a dimensão era de “um cabo de vassoura,
um martelo e quatro dedos”.
Todos
morreram de rir com a criatividade dele para trazer a informação solicitada.
Dizia
o meu pai que o rapaz ainda se ofendeu quando perguntado para que servia esta
informação. Resmungou que não foi orientado para usar a trena e nunca assumiu a
bobagem que fez.
Anos
mais tarde entendi realmente o que meu pai insistia em me passar. Preocupação
com o planejamento, com os processos produtivos e também com as verdades
ou crenças dos colaboradores. Cada um tem as suas.
O
seu discurso na época não era para aperfeiçoar a construção dos meus carrinhos
de rolimã, que no fim ele reconstruía (custo da não qualidade), e sim,
assimilar que o fundamental é investir mais tempo na caracterização do produto
(pôr no papel), e no planejamento da execução, incluindo aí as ferramentas e
mão de obra adequadas, antes de meter a mão na massa, isto é, na fabricação.
Pôr
no papel significa equalizar o entendimento e as expectativas de qualidade,
custo e prazo dos produtos/serviços entre o cliente e o fornecedor.
Aprendi
que gastar horas para pôr no papel no fim sai mais barato, pois diminui
a probabilidade do realizado não atender à expectativa do contratante. Evita-se
o desperdício de materiais e de horas de mão de obra e principalmente
minimiza-se a possibilidade de conflitos
entre os colaboradores durante a fase da localização ou análise do desvio
ocorrido. Conflitos estes gerados pela defesa radical dos seus pontos de vista,
alimentada pela necessidade de descaracterizar a sua participação neste desvio.
Atividade vulgarmente chamada de “tirar o seu da reta”. Igual ao
colaborador do meu pai: culpa do retrabalho foi de quem não lhe disse para usar
a trena. Parece inacreditável, mas é real. Acontece em todos os níveis com
muita frequência.
Evitam-se
também os conflitos com os colaboradores do cliente, com possíveis respingos na
imagem da empresa contratada.
É
nestas circunstâncias, devido a sequelas acumuladas nos debates, ou melhor, nos
embates, que nasce a variável Não
Qualidade Comportamental,
isto é, Não Qualidade do Ambiente de
Trabalho, cujos
custos são muito mais difíceis de mensurar, e certamente tem influência
significativa na ocorrência das três possibilidades de Não Qualidade de
Produção acima citadas. Costuma refletir em todos os projetos da empresa, e
não somente no atual. Prosperam as desconfianças e ressentimentos pessoais em
toda a estrutura.
Ambiente
com muitos conflitos, ou demasiadamente competitivo, algumas vezes permitido ou
mesmo incentivado pela alta direção, leva à colaboração insuficiente (sempre
camuflada com desculpas de todos os tipos, sendo a falta de tempo a mais
frequente), inclusive na fase de levantamento de dados para a elaboração das
previsões.
Assim,
na análise dos problemas que afetam a rentabilidade, é preciso sempre
considerar a relação causa/efeito com a Não
Qualidade Comportamental.
Algo mais grave pode estar acontecendo nos bastidores, como por exemplo, o
baixo nível de comprometimento com os resultados da empresa ou a baixa confiança entre os
colaboradores, que levam ao aumento dos custos dos mecanismos de
controle, que por sua vez leva à maior burocracia e que no fim diminui a agilidade nas decisões. E isto reflete na competitividade da
empresa.
Nas
empresas onde os discursos valem mais que as ações, a rentabilidade abaixo da
expectativa tem sempre o mesmo culpado: é o mercado. Será?
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